13 de Maio: Liberdade assinada, correntes reescritas
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- 12 de mai.
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E-mail: Ailanybrito7@gmail.com
O 13 de maio é tradicionalmente lembrado como o dia em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, abolindo oficialmente a escravidão no Brasil, em 1888. No entanto, para além das comemorações protocolares, essa data deve ser encarada com a crítica e a reflexão que a história exige. Afinal, a abolição foi tardia, incompleta e não acompanhada de políticas que garantissem cidadania plena à população negra.
A narrativa tradicional pinta a princesa como uma redentora, apagando as lutas dos próprios negros – escravizados, libertos e livres – que resistiram durante séculos, fugiram, criaram quilombos, articularam revoltas e pressionaram pela liberdade. Ignorar essa luta é perpetuar uma história que reforça a passividade e o paternalismo, colocando o povo negro como beneficiário de uma concessão da elite branca, e não como sujeito histórico de sua própria libertação.
Além disso, é preciso entender que a abolição foi formal, mas não substancial. O Estado brasileiro libertou os negros sem lhes oferecer terra, trabalho digno, moradia ou acesso à educação. O racismo estruturado se reconfigurou no pós-abolição: surgiram as políticas de embranquecimento, o apagamento cultural e o abandono social. O 13 de maio, nesse contexto, marca mais uma transição simbólica do que uma verdadeira conquista de liberdade.
Hoje, a desigualdade racial continua evidente nas favelas, no mercado de trabalho, nas escolas, nos presídios e nos dados de violência. As cotas raciais, a valorização das culturas afro-brasileiras e o fortalecimento das vozes negras são passos importantes, mas ainda insuficientes frente a séculos de escravidão e mais de cem anos de exclusão formal.
O que mais me intriga é a forma como o 13 de maio ainda é ensinado nas escolas de educação básica revelando muito sobre o modo como o Brasil lida com sua própria história. Em muitos currículos, ainda prevalece uma narrativa romantizada e simplista, que exalta a assinatura da Lei Áurea sem questionar os interesses políticos por trás dela, sem destacar as resistências negras e, sobretudo, sem contextualizar as consequências dessa “libertação” não acompanhada de reparações.
Esse ensino superficial perpetua estereótipos e silencia protagonismos. Quando a abolição é apresentada como um ato de benevolência da monarquia, omite-se deliberadamente o papel ativo de lideranças negras, dos quilombolas, das revoltas e das estratégias de sobrevivência e enfrentamento ao sistema escravocrata. Isso gera, nas novas gerações, uma compreensão distorcida da história e reforça uma cultura de apagamento.
A ausência de debates críticos sobre o racismo estrutural e sobre as sequelas da escravidão na sociedade atual é uma oportunidade perdida de formar cidadãos conscientes, capazes de identificar e combater desigualdades. Ao não problematizar o 13 de maio, a escola contribui para naturalizar a exclusão social da população negra e reforça a falsa ideia de que a abolição resolveu os problemas da escravidão.
No Ensino Fundamental dos anos finais, aprendi que em 13 de maio de 1888 a liberdade chegou. Que uma caneta, nas mãos da princesa Isabel, encerrou séculos de escravidão com um traço elegante no papel. Mas o que me ensinaram nas escolas não mencionava o que vinha depois do ponto final dessa história mal contada. Muitos anos depois vê-se esse ensino se repetindo em muitas escolas.
Foi só na universidade, como tantos outros, que conheci os nomes que os livros ocultavam: Luísa Mahin, Dandara, o povo de Palmares, os quilombos invisíveis nas páginas do ensino fundamental. Antes disso, cresci achando que a abolição foi um presente, e não uma conquista forjada com sangue, fuga, luta e coragem. Que engano.
Nas salas de aula da educação básica, o 13 de maio ainda é pintado em preto e branco: de um lado, a benevolência branca; do outro, uma população negra passiva, calada, grata. Pouco ou nada se fala sobre o abandono pós-abolição, sobre a ausência de terra, de reparação, de reconhecimento. Pouco se fala sobre o racismo que mudou de nome, mas não de endereço.
A escola, que deveria ser lugar de despertar, ainda adormece consciências. Ensina a decorar leis, mas não a questionar estruturas. Ensina nomes de imperadores, mas silencia os ancestrais. Fala de liberdade como um presente embalado, e não como direito negado.
E quando a gente finalmente aprende, já adulta, já ferida por invisibilidades e apagamentos, vem a pergunta incômoda: por que não me contaram antes? Quantas crianças negras crescem sem saber que têm história? Quantas acreditam que vieram depois da liberdade, quando, na verdade, são descendentes de quem lutou por ela?
Por isso, o 13 de maio não pode ser celebrado, tem que ser memória crítica. Tem que ser a data em que a gente olha para trás não para romantizar, mas para reparar. Porque liberdade sem dignidade é só uma nova forma de prisão. E a verdadeira abolição ainda está por vir — não em leis, mas em práticas, em currículos, em vozes que se levantam dentro da sala de aula e fora dela.
Embora a lei que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira tenha sido criada em 2003, sua implementação enfrenta resistência em muitas escolas. Falta formação adequada para professores, falta material didático crítico, e sobra medo de “politizar” o conteúdo — como se ensinar a verdade histórica fosse um ato ideológico e não pedagógico.
A educação ajuda a apagar quando transforma a escravidão em rodapé e a resistência negra em parágrafo esquecido. Quando fala de princesa, mas não de quilombos. Quando ensina a decorar datas, mas não a questionar narrativas.
Ela apaga quando apresenta o racismo como um desvio de comportamento individual, e não como uma estrutura que organiza o país desde sua fundação. Apaga quando não reconhece que a ausência de representatividade no material didático também é uma forma de violência simbólica.
A reparação começa quando o currículo inclui histórias negras contadas por sujeitos negros. Quando os livros não só falam de Palmares, mas se inspiram nele. Quando os professores são formados para problematizar o 13 de maio e valorizar o 20 de novembro. Quando a escola deixa de ser cúmplice do silêncio e se torna aliada da memória, da justiça e da luta.
Educar para a equidade racial exige repensar não apenas o conteúdo, mas a forma de ensiná-lo. É preciso valorizar o 20 de novembro como contraponto necessário, reconhecer os saberes afro-brasileiros, inserir as histórias das comunidades quilombolas e trazer à tona os rostos e nomes negros que construíram este país, muitas vezes à margem da historiografia oficial.
Portanto é preciso reaprender a contar a história. Uma história em que crianças negras se vejam como herdeiras de coragem, não como sombras em um enredo que nunca foi escrito para elas.
E talvez, quando a escola finalmente abrir espaço para essa narrativa coletiva, possamos comemorar não o 13 de maio, mas o dia em que o Brasil se reconheceu em todas as suas cores.

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