top of page

A Violência sexual e a cultura de silenciamento: quem são os verdadeiros abusadores de mulheres e crianças nos interiores do Amazonas?

Imagem: Reprodução
Imagem: Reprodução

 

Hoje, trago à tona uma realidade cruel, escondida nas sombras do nosso país: a cultura de abuso e violência sexual nos interiores do Amazonas. Um tema sistematicamente silenciado, mas que exige urgência e um olhar crítico para ser finalmente desvelado.


Nascida e criada no interior do Amazonas, pude testemunhar de perto a triste realidade das violações de direitos, abusos e injustiças que marcam o cotidiano dessas regiões. Como mulher indígena e advogada, compreendo de maneira visceral o risco que é ser mulher em uma sociedade como a nossa. Nos interiores, embora exista a presença formal do sistema de justiça, o que encontramos é um quadro distorcido, onde o poder local é frequentemente comandado por coronéis de barrancos – figuras que impõem suas próprias regras e mantêm o ciclo de impunidade. Esse não é um privilégio de pequenas cidades distantes da capital; é uma prática que permeia diversas camadas da nossa sociedade.


Em 2018, ao ser designada para lecionar em uma cidade do interior, com cerca de 17.079 habitantes, às margens do Rio Solimões, fui confrontada com a dura realidade de que a violência sexual contra mulheres e crianças é uma norma silenciada, invisível aos olhos da maioria. No entanto, é muito real para quem vive esse terror todos os dias. Em vários casos que acompanhei, as vítimas sempre foram as culpabilizadas, enquanto os agressores, geralmente homens respeitáveis, com posições de poder, continuavam a gozar de proteção da própria sociedade.

 

Recordo de um caso que ainda me assombra: toda a comunidade sabia que um padrasto abusava de suas duas enteadas, minhas colegas de escola, mas ninguém fez nada. A razão era simples: quem denuncia é condenado. Nos interiores, o silêncio é a regra, e quem ousa quebrá-lo se torna alvo de perseguições e ameaças. O sistema de justiça, que deveria ser um amparo, acaba sendo uma extensão dessa cultura de silenciamento. O delegado, os juízes, os promotores – todos distantes, em muitos casos, das realidades locais, protegendo os poderosos em nome da ordem e do status quo.

 

É preciso questionar: como isso é possível? A resposta é que o sistema, longe de proteger as vítimas, protege os violadores. Nos interiores, a precariedade e o abandono do Estado se traduzem em um cenário onde crianças e adolescentes são coagidos a se manter calados, ou enfrentam um sistema de justiça que não funciona, que, em vez de intervir, colabora com os agressores.

 

O papel dos conselhos tutelares, das autoridades locais e das instituições de proteção é fundamental. No entanto, muitos não cumprem sua missão com seriedade, perpetuando essa tragédia invisível. Este artigo, mais do que uma denúncia, é um grito de alerta para a necessidade urgente de mudanças. Não podemos mais permitir que a cultura de impunidade continue a fazer parte da nossa sociedade.

 

Como mulher, minha única esperança é que todas as mulheres e meninas possam viver em paz, com seus corpos e territórios respeitados. Precisamos romper com essa lógica perversa e dar voz a quem está silenciado, a quem é silenciado pelo medo, pela omissão e pela proteção daqueles que devem ser os primeiros a garantir os direitos das vítimas.

 

E você, o que pensa sobre isso? Já conheceu alguém que passou por algo semelhante e teve sua voz negada? Deixe seu comentário, irei adorar interagir com vocês.


*Inory Kanamari - Primeira advogada indígena do povo kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, Vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024, atuou como Consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. Articulista da Revista Cenarium, ativista, poetisa, membra na ALCAMA (Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia). Escreve como colaboradora toda terça-feira e aos sábados para o Portal Info.Revolução.
*Inory Kanamari - Primeira advogada indígena do povo kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, Vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024, atuou como Consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. Articulista da Revista Cenarium, ativista, poetisa, membra na ALCAMA (Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia). Escreve como colaboradora toda terça-feira e aos sábados para o Portal Info.Revolução.

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page