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Belém, véspera da COP 30: A tragédia dos Guardas de Endemias intoxicados por DDT ignorada pelo Estado Brasileiro


Servidores da extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM) trabalhavam no combate a doenças endêmicas sem Equipamento de Proteção Individual essenciais para a segurança e saúde dos trabalhadores, protegendo-os contra riscos de acidentes e doenças no ambiente de trabalho. Imagem: Arquivo SINTSEP-PA (Regional Baixo Amazonas)
Servidores da extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM) trabalhavam no combate a doenças endêmicas sem Equipamento de Proteção Individual essenciais para a segurança e saúde dos trabalhadores, protegendo-os contra riscos de acidentes e doenças no ambiente de trabalho. Imagem: Arquivo SINTSEP-PA (Regional Baixo Amazonas)

Belém, PA – Em 2025, enquanto Belém se prepara para sediar a COP30, a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente, um capítulo sombrio da saúde pública brasileira emerge na capital paraense: a luta silenciosa e desesperada de centenas de ex-guardas de endemias contaminados por DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano). Esses trabalhadores, que atuaram no combate a doenças como malária e febre amarela entre as décadas de 1950 e 2000, sofrem de graves problemas de saúde – incluindo insônia, perda de memória, convulsões, e risco aumentado de câncer e Alzheimer – e buscam o reconhecimento do Estado e reparação por um "acidente de trabalho" que se arrasta há décadas.

A denúncia, tornada pública pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal do Estado do Pará (SINTSEP-PA) no início dos anos 2000, aponta que esses profissionais foram expostos ao potente inseticida sem a devida proteção e, muitas vezes, com a falsa garantia de que o produto não fazia mal. Cedício de Vasconcellos Monteiro, ex-coordenador-geral do sindicato, afirma que desde então a entidade "tem exigido da FUNASA e impetrado ações judiciais objetivando o reconhecimento por parte da União e do Estado Brasileiro do acidente de trabalho, o tratamento adequado dos servidores contaminados pelo DDT e a aposentadoria especial". A tragédia pessoal e familiar dos afetados, que “salvaram vidas e que agora lutam, em condições muito desfavoráveis, sem a ajuda necessária do Estado brasileiro, contra a própria morte”, serve de alerta para o debate ambiental da COP30.

Um legado tóxico e uma luta histórica


Guardas de Endemias: Imagens: SINTSEP-GO
Guardas de Endemias: Imagens: SINTSEP-GO

A história do DDT no Brasil e a contaminação desses trabalhadores remonta a meados do século XX. Em 1958, foi criada a Campanha de Erradicação da Malária (CEM). Entre 1964 e 1965, durante os governos militares, a campanha de combate à malária e febre amarela se intensificou no âmbito da estratégia "integrar para não entregar", que visava justificar a ocupação da Amazônia por brasileiros. O manual do inspetor da malária, publicado em 1975, inclusive orientava a diluição do DDT. Em maio de 1970, foi criada a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), responsável pelo combate a diversas endemias em áreas rurais do Brasil, utilizando o DDT em larga escala por cerca de 50 anos.


Cedicio de Vasconllos Monteiro - ex. Coordenador Geral do SINTSEP-PA - Imagem: Info.Revolução
Cedicio de Vasconllos Monteiro - ex. Coordenador Geral do SINTSEP-PA - Imagem: Info.Revolução

No entanto, em 1991, no governo Collor de Mello, a SUCAM foi extinta, dando lugar à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), que herdou a gestão do problema. “É nesse contexto histórico que a exposição dos guardas de endemias ocorreu de forma sistêmica. Relatos dos trabalhadores são alarmantes: eles dormiam no mesmo ambiente onde o DDT era armazenado, limpavam as bombas de borrifação com as próprias mãos e, por vezes, carregavam o inseticida em suas bolsas junto com a alimentação durante o trabalho de campo. À época, inspetores chegavam a afirmar que o DDT não causava mal à saúde” relatou ao Portal Info.Revolução, Cedício Vasconcellos.


Intoxicação silenciosa e consequências devastadoras


A intoxicação por DDT se manifesta em uma série de sintomas debilitantes, como insônia, amnésia temporária, dor de cabeça, perda de coordenação motora, náuseas, vômitos, irritabilidade, ansiedade, tontura, confusão mental, convulsões e agitação. No corpo humano, o DDT se transforma em DDE (Difenil-Dicloro-Eteno) e pode se armazenar por anos no tecido adiposo ou na corrente sanguínea. A mobilização dessas reservas de gordura, no entanto, pode liberar o DDE e causar intoxicação no sistema nervoso e no fígado. Pesquisas indicam que tanto o DDT quanto o DDE podem causar problemas metabólicos ou aumentar o risco de desenvolvimento de câncer (fígado e mama) e doença de Alzheimer.


A Conferência da ONU (COP30), que Belém sediará em novembro de 2025 para debater as mudanças climáticas, é vista como uma "excelente oportunidade" para que os trabalhadores intoxicados por DDT e suas famílias tornem público um problema "escondido da opinião pública durante décadas". A afirmação é de Cedício Vasconcellos, que vê no evento um palco para cobrar do Estado brasileiro as reparações e o tratamento que lhes são devidos.

 

Vitimas DDT e do Estado Brasileiro - Imagens: SINTSEP-PA Regional Baixo Amazonas

 

A luta por consciência ambiental

Rachel Carson no Livro Primavera Silenciosa denuncia os efeitos do DDT para o meio ambiente - Imagem: The News Atlantis
Rachel Carson no Livro Primavera Silenciosa denuncia os efeitos do DDT para o meio ambiente - Imagem: The News Atlantis

A situação dos guardas de endemias do Pará ecoa as denúncias de Rachel Carson, bióloga marinha, escritora e ecologista norte-americana. Seu livro "Primavera Silenciosa" (Silent Spring), publicado em 1962, há 63 anos, é um marco do movimento ambientalista mundial. Na obra, Carson alertou sobre os perigos dos pesticidas, especialmente o DDT, para seres vivos, saúde humana e o meio ambiente. Ela foi pioneira ao constatar que o uso de pesticidas agrícolas atinge todo o ecossistema – solo, águas, fauna e flora – entrando na cadeia alimentar e chegando às nossas mesas.


O pioneirismo de Rachel Carson, uma mulher cientista em um mundo masculino que chegou a assinar seus primeiros trabalhos como R.L. Carson para evitar descrédito, custou-lhe uma perseguição implacável e uma campanha difamatória da indústria. Mesmo morrendo em 1964 de câncer de mama, ela não presenciou a proibição do DDT nos EUA, que ocorreu apenas em 1972. No Brasil, o uso do DDT só foi banido em 2009 (Lei Nº 11.936/2009).


O "Primavera Silenciosa" de Carson, construído com dados secundários, teve seu grande feito na divulgação dessas pesquisas, apresentando-as ao público e a atores políticos em linguagem compreensível, o que permitiu à sociedade pressionar por mudanças. Sessenta anos depois, a obra de Rachel Carson permanece atual e relevante, com inúmeras pesquisas confirmando os efeitos nocivos dos organoclorados, que podem causar disfunções orgânicas crônicas em mamíferos e impactos ambientais difíceis de prever e reverter.


Estudos mostram que pragas agrícolas desenvolvem resistência a altas concentrações de pesticidas, e que os organoclorados podem permanecer no ambiente por longos anos, contaminando rios, lençóis freáticos e até mesmo a neve no Alasca e o gelo da Antártida. A contaminação de cursos hídricos tem provocado dificuldades reprodutivas em peixes, e a ingestão de DDT enfraquece as cascas dos ovos de aves, reduzindo drasticamente populações de águias e falcões.

VÍDEO: TV Câmara Exibe Reportagem Especial: Os Intoxicados Pelo DDT

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