Mudanças Climáticas: Aquecimento Global e o Papel Transformador da Mulher
- contatoinforevollu
- há 4 dias
- 5 min de leitura
Escreve de Lisboa/Portugal
O aquecimento global, a manifestação mais proeminente das mudanças climáticas, transcende a esfera puramente ambiental para se revelar como uma profunda crise social, econômica e ética. As suas consequências, que se desdobram em eventos climáticos extremos, na elevação do nível do mar e na perda de biodiversidade, não são distribuídas de forma equitativa.
Neste cenário complexo e desafiador, as mulheres emergem não apenas como um dos grupos mais vulneráveis aos seus impactos, mas também como agentes de mudança indispensáveis, cuja liderança e conhecimento são cruciais para a construção de um futuro sustentável. A sua influência na promoção de energias renováveis, na disseminação de práticas de reciclagem e na vanguarda da ecologia prática ilustra um papel vital, embora muitas vezes subestimado, na transição para uma sociedade mais resiliente e justa.
A Face Feminina da Vulnerabilidade Climática
A vulnerabilidade acentuada das mulheres às mudanças climáticas não é uma condição inerente, mas sim uma consequência direta de desigualdades de gênero estruturais e historicamente consolidadas. Análises clássicas sobre a evolução social sugerem que essa subordinação tem raízes profundas na transição para uma sociedade baseada na propriedade privada, que reconfigurou as relações familiares e instituiu o controle patriarcal sobre os recursos e sobre a própria mulher (Engels, 1884).
Em muitas culturas, sobretudo no Sul Global, as mulheres são as principais responsáveis pela agricultura de subsistência, pela coleta de água e pela gestão dos recursos energéticos do lar. A degradação ambiental, a escassez de água e a desertificação, intensificadas pelo aquecimento global, tornam estas tarefas diárias mais árduas e perigosas. Secas prolongadas forçam mulheres e meninas a percorrer distâncias cada vez maiores em busca de água, expondo-as a um risco elevado de violência sexual e física. A instabilidade das colheitas ameaça diretamente a segurança alimentar das famílias, um fardo que recai desproporcionalmente sobre elas enquanto principais cuidadoras.
Estudos aprofundados sobre gênero e desastres naturais, como os desenvolvidos por diversas agências das Nações Unidas, corroboram que, em situações de catástrofe, as taxas de mortalidade feminina tendem a ser significativamente mais altas. Fatores como a menor mobilidade, o acesso restrito a informações e a responsabilidade social de cuidar de crianças, idosos e doentes limitam a sua capacidade de evacuação e sobrevivência. Deste modo, a crise climática não cria novas desigualdades, mas amplifica as já existentes, tornando imperativo que as políticas de adaptação sejam desenhadas com uma lente de género sensível a estas realidades (Dankelman, 2010).
Guardiãs do Conhecimento e Inovadoras na Adaptação
Paradoxalmente, a mesma proximidade com os recursos naturais que as torna vulneráveis também as posiciona como detentoras de um conhecimento ecológico tradicional de valor inestimável. Ao longo de gerações, as mulheres desenvolveram e transmitiram saberes sobre a gestão sustentável do solo, a conservação de sementes nativas e a utilização de plantas medicinais. Este conhecimento empírico é fundamental para a criação de estratégias de adaptação de base comunitária que sejam eficazes e culturalmente relevantes.
O modelo de desenvolvimento ocidental, ao impor monoculturas e tecnologias uniformes, desvalorizou e marginalizou este saber ancestral, contribuindo para a erosão da biodiversidade e da resiliência local. Reconhecer e integrar as mulheres como especialistas e líderes nos processos de tomada de decisão climática não é, portanto, apenas uma questão de justiça, mas uma necessidade estratégica para a sobrevivência das suas comunidades (Shiva, 1988).
Liderança na Transição Energética e na Economia Circular
No campo da mitigação das emissões de gases de efeito estufa, a influência feminina tem sido particularmente notável na promoção de energias renováveis e na consolidação de práticas de economia circular, como a reciclagem. A nível doméstico, as mulheres são frequentemente as principais gestoras do consumo energético. A sua participação ativa no desenho e na implementação de programas de acesso a tecnologias limpas, como fogões solares ou biodigestores, tem sido um fator determinante para o sucesso dessas iniciativas.
A adoção de fontes de energia renovável não só reduz as emissões de carbono, mas também gera benefícios diretos para a saúde das mulheres e crianças, que deixam de inalar a fumaça tóxica da queima de biomassa, além de libertar o seu tempo para a educação e atividades econômicas.
A liderança feminina é igualmente central no movimento global de gestão de resíduos. Em inúmeras cidades ao redor do mundo, as cooperativas de catadores de materiais recicláveis são predominantemente compostas e, muitas vezes, lideradas por mulheres. Elas estão na linha de frente da economia circular, transformando resíduos em recursos, reduzindo a poluição e diminuindo a pressão sobre os aterros sanitários, que são fontes significativas de metano. Este trabalho, crucial para a sustentabilidade urbana, representa uma poderosa forma de agência ambiental e de luta por reconhecimento e direitos laborais, desafiando a invisibilidade e o estigma social.
A Ecologia sob a Perspetiva Feminina
A influência das mulheres na ecologia transcende a prática e penetra profundamente na teoria e no ativismo. O ecofeminismo, uma corrente de pensamento que floresceu a partir da década de 1970, estabelece uma ligação intrínseca entre a dominação da natureza e a opressão das mulheres. Alinhando-se ao pensamento ecossocialista, essa crítica identifica o sistema capitalista e sua necessidade intrínseca de crescimento ilimitado como a força motriz por trás tanto da exploração do trabalho quanto da devastação da natureza. Propõe, assim, uma transição que supere essa lógica, fundamentada na ética do cuidado, na reciprocidade e no respeito por todas as formas de vida (Löwy, 2005; Mies & Shiva, 1993).
Conclui-se, portanto, que ignorar o papel da mulher na luta contra as mudanças climáticas é negligenciar metade da solução. Elas não são vítimas passivas, mas sim agentes resilientes, inovadoras e essenciais na vanguarda da ação climática. A sua inclusão plena e equitativa em todos os níveis de decisão, o investimento na sua capacitação e a valorização dos seus conhecimentos são condições indispensáveis para acelerar a transição para uma economia de baixo carbono e para construir um futuro onde a justiça social e a sustentabilidade ambiental caminhem lado a lado.
Contudo, em contextos como o brasileiro, essa transição enfrenta obstáculos culturais específicos. A dificuldade histórica em distinguir a esfera pública da privada e a prevalência de uma ética personalista podem minar a implementação de políticas ambientais universais e de longo prazo, que exigem um forte senso de responsabilidade coletiva. Superar esses padrões é, portanto, mais um desafio a ser vencido no caminho para a sustentabilidade (Holanda, 1936).
Referências Bibliográficas
Dankelman, I. (2010). Gender and Climate Change: An Introduction. Earthscan. Engels, F. (1884). A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.
Holanda, S. B. de. (1936). Raízes do Brasil.
Löwy, M. (2005). O que é o Ecossocialismo?. Editora Cortez. Mies, M., & Shiva, V. (1993). Ecofeminism. Zed Books.
Shiva, V. (1988). Staying Alive: Women, Ecology and Development. Zed Books.

SEJA UM APOIADOR INFO.REVOLUÇÃO
Comments