Mariana Tikuna: a doutora que a UFPA recusa por ser indígena
- contatoinforevollu
- há 12 minutos
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Meus sonhos, esperança e realização coletiva… hoje não são apenas palavras, são o reflexo de uma ferida aberta chamada Universidade Federal do Pará (UFPA).
A história de Mariana Neves Cruz Mello, do povo Tikuna, deveria ser motivo de orgulho para qualquer instituição que se diz pública, inclusiva e comprometida com a diversidade. Mas na UFPA, o que para muitos seria uma conquista coletiva, transforma-se num lembrete cruel: a universidade que se proclama “do povo” é, na verdade, uma fortaleza de privilégios, erguida para proteger os mesmos corpos brancos, ricos e classistas que a fundaram.
A UFPA, assim como tantas outras universidades brasileiras, gosta de vestir o manto da inclusão. Gosta de discursar sobre pluralidade, diversidade, políticas afirmativas. Mas tudo isso é encenação. É a “inclusão para inglês ver”.
A verdade, nua e dolorosa, é que a UFPA jamais aceitaria, de fato, ter em seu corpo docente uma professora indígena efetiva. O sistema não está preparado para isso e, pior, não quer estar. Porque aceitar uma professora indígena é admitir que o conhecimento pode nascer da floresta, que a epistemologia pode ter cheiro de rio e voz ancestral. É aceitar que a Amazônia não é laboratório de pesquisa, é território vivo.
E isso, para a UFPA, é insuportável.
A universidade trata os povos indígenas como seres de última categoria: tolerados nas campanhas publicitárias, apagados nas decisões administrativas, invisibilizados nos espaços de poder. Enquanto se orgulha das cotas, mantém intocados os cargos de direção, as chefias de departamento e as vagas docentes sob o controle da elite branca paraense.
Mariana, Tikuna, doutora, professora, pesquisadora, aprovada em quatro concursos da própria UFPA, é a prova viva de que a exclusão não é resultado de falta de qualificação é resultado de um sistema racista e xenofóbico que se alimenta do apagamento.
Quantas vezes ouvimos o discurso da “falta de vagas”? Quantas atas de reunião registraram a “necessidade de docentes”? Quantos pareceres reconheceram “a importância da diversidade”? Tudo isso é fumaça para esconder a real política interna da instituição: manter os indígenas do lado de fora.
A UFPA nunca foi inclusiva. Sempre foi excludente, racista, classista e hierarquicamente colonial. Uma universidade que, apesar de estar enraizada na Amazônia, rejeita o saber amazônico. Que se diz pública, mas serve à branquitude. Que fala em democracia, mas teme o som das vozes indígenas ecoando em suas salas de aula.
A universidade que se alimenta de projetos sobre os povos indígenas, que constrói carreiras e títulos estudando nossas vidas, nossas terras e nossos corpos, é a mesma que se nega a dividir o espaço com quem carrega, no sangue, o conhecimento que ela tenta teorizar.
A UFPA quer falar sobre nós, nunca com nós. Quer estudar o “índio”, mas não quer olhar no olho do indígena. Quer citar o território, mas não quer pisar na terra. Quer a nossa imagem, não a nossa presença.
E é assim que o racismo acadêmico opera: elegante, burocrático e letal.
A história de Mariana não é apenas dela. É o espelho de centenas de estudantes e profissionais indígenas que ousaram sonhar com o espaço acadêmico e encontraram muros de concreto, de silêncio e de medo. A UFPA é o retrato cruel de uma universidade que odeia dividir espaços com grupos minorizados, porque dividir é perder poder.
Mas nós seguimos. Seguimos porque nossa existência é resistência. Porque cada indígena que cruza os portões da universidade rompe uma estrutura de séculos. Porque cada tese defendida por uma mulher indígena é uma rachadura no concreto branco do colonialismo.
E mesmo que a UFPA continue tentando apagar nomes, negar vagas, adiar concursos, nós sabemos: o tempo do silêncio acabou.
Mariana representa o futuro que a UFPA tenta adiar, mas não pode impedir.E nós, advogados, professores, pesquisadores e estudantes indígenas, seguiremos ecoando uma verdade que a academia branca não quer ouvir:
A Amazônia pensa, fala e ensina.E o conhecimento indígena não precisa pedir permissão para existir.

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