O ocaso do desenvolvimentismo
- contatoinforevollu
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Atualizado: há 1 dia
O controle monolítico do Estado por uma burguesia sem nexo moral com as classes subalternas compromete irremediavelmente qualquer possibilidade de um projeto de desenvolvimento nacional. O antagonismo entre acumulação de capital, democracia e soberania torna o capitalismo brasileiro intrínseca e irreversivelmente antinacional e antissocial.
Submetida à lógica especulativa e espoliativa do capital internacional, do agronegócio, do extrativismo mineral e da aristocracia financeira, a economia funciona como um moinho satânico que gira para maximizar a extração de mais-valia, gerar megassuperávits fiscais para sustentar a ciranda financeira lastreada em dívida pública e potencializar a transferência de recursos reais e financeiros ao exterior para alimentar a reprodução ampliada do capital internacional.
Após a ofensiva avassaladora do neoliberalismo, impulsionada por recorrentes rodadas de contrarreformas, que se inicia na década de 1980, com a crise da dívida externa, e se aprofunda nas décadas subsequentes, sob os auspícios do Consenso de Washington, o raio de manobra para políticas de administração da miséria tornou-se cada vez menor.
Nessas circunstâncias, o debate entre liberais fundamentalistas e liberais pragmáticos – as alas direita e esquerda da ordem neoliberal – ficou circunscrito à discussão sobre a forma de combinar Estado e Mercado em função de alternativas tacanhas: a) maior ou menor crescimento, sem problematizar a tendência estrutural à estagnação; b) maior ou menor desigualdade na distribuição da riqueza, sem questionar o regime de segregação social; c) maior ou menor dependência do imperialismo, sem se opor à progressiva reversão neocolonial; e d) maior ou menor depredação do meio ambiente, sem reconhecer a realidade do colapso ambiental.
Com o golpe institucional forjado na esteira da operação Lava Jato e da ofensiva ideológica e política da extrema direita, a Constituição de 1988 foi destituída das conquistas democráticas, republicanas e nacionalistas do povo brasileiro. Como consequência, foram redobrados os ataques do capital contra os direitos dos trabalhadores, as políticas públicas e a natureza. A arquitetura do regime de Metas Inflacionárias cristalizada após 2016, sob a égide da "Ponte para o Futuro" do famigerado Michel Temer, comprometeu definitivamente a influência da soberania popular sobre os centros internos de decisão. A tutela do capital sobre a política econômica tornou-se ilimitada. A opção preferencial pelo lucro a qualquer custo foi levada ao paroxismo.
O regime de Teto de Gastos baseado no princípio do Estado mínimo subordinou de maneira absoluta a política fiscal aos interesses dos credores da dívida pública e à lógica de mercantilização dos serviços públicos. A independência formal do Banco Central deixou as políticas monetária e cambial à mercê do grande capital financeiro nacional e internacional. A ânsia de angariar recursos a qualquer custo para financiar o funcionamento da máquina pública levou o governo federal a aprofundar a lógica rentista que norteia o funcionamento da Petrobrás, Banco do Brasil e demais empresas estatais, em total detrimento dos interesses da economia popular e da soberania nacional. A subordinação do BNDES às pressões de capitais piratas em busca de oportunidades de negócio, como a privatização das empresas públicas de saneamento, liquidou definitivamente seu papel de agente do desenvolvimento das forças produtivas. O avanço da desregulamentação destituiu o Estado da capacidade de mitigar a devastação social, cultural e ambiental provocada pelo espírito de rapina que rege o capitalismo selvagem em tempos de crise. A intervenção do Estado para conter as taras do capital foi estigmatizada. A apologia do anarcocapitalismo como panaceia para os problemas nacionais interditou definitivamente qualquer debate sobre as contradições estruturais que degradam a vida dos trabalhadores.
O horizonte estreito do debate econômico, restrito basicamente a questões relacionadas com a estabilidade da moeda e a administração da dívida pública, não significa que a burguesia brasileira não tenha um projeto estratégico de longo prazo, mas sim que seus objetivos estratégicos não contemplam minimamente as necessidades da população. Enquadrado nos parâmetros do Plano Real, que tem como norte a inserção subalterna do Brasil na ordem global, o regime de metas inflacionárias executa o desiderato do padrão de acumulação liberal-periférico. Em pleno colapso ambiental, o território nacional é franqueado à sanha predatória das novas frentes de expansão do capital na periferia do sistema capitalista mundial: os dantescos parques de datacenters – elo mais rebaixado da indústria da inteligência artificial –, o extrativismo mineral em busca de matérias-primas fundamentais para a transição energética e a prospecção de petróleo a qualquer custo.
À deriva na crise estrutural do capital, o país fica submetido a um processo de reversão neocolonial, cuja essência reside em promover: a) a crescente especialização da economia brasileira na divisão internacional do trabalho; b) a progressiva abertura do espaço econômico nacional às operações de pilhagem e especulação das megacorporações transnacionais; c) a ilimitada valorização do capital fictício ancorado em dívida pública; d) a redução do gasto com políticas públicas ao mínimo indispensável para garantir a reprodução do capital e a ordem pública; e e) o ajuste do nível tradicional de vida dos brasileiros à possibilidade ultra-rebaixada de uma economia primário-exportadora.

Nesse contexto, a suposição de que seria possível superar as mazelas do subdesenvolvimento nos marcos do capitalismo não encontra a mais remota correspondência com a realidade. É preciso reconhecer, no entanto, que o mito do desenvolvimento nacional, visto em perspectiva histórica, nunca passou de uma quimera. Na periferia da economia mundial, a busca do desenvolvimento sempre foi um trabalho de Sísifo.
A lei do desenvolvimento desigual e combinado reproduz as heterogeneidades do sistema capitalista mundial. Contam-se nos dedos as economias periféricas que conseguiram romper o círculo de ferro da dependência. Todas tiveram como pressuposto revoluções nacionais e democráticas radicais, como é o caso conspícuo da China. Na América Latina, à exceção de Cuba – um caso aparte – todas as iniciativas para enfrentar o imperialismo e a plutocracia terminaram em crises econômicas agudas e golpes militares sangrentos. A tragédia chilena talvez seja o exemplo mais paradigmático das esperanças e frustrações do desenvolvimentismo.
No Brasil, o desenvolvimento nacional como projeto de Estado teve existência curta. A industrialização nacional como objetivo central da política econômica consolidou-se apenas em 1937, com o advento do Estado Novo, e foi abandonada antes de três décadas, em 1964, com a derrota das Reformas de Base pela ditadura militar. A consolidação do poder burguês como contrarrevolução cristalizou o regime de segregação social e o controle da economia pelo capital internacional – a dupla articulação que bloqueia a organização da vida material da sociedade em função das necessidades do conjunto da população.
Antes de 1937, elites aculturadas, condicionadas por algum tipo de "inibição mental" – para utilizar uma expressão de Celso Furtado –, deixavam o país a reboque das vicissitudes do padrão-ouro. Após 1964, sob a batuta de uma burguesia americanizada, a industrialização nacional foi sacrificada em nome da industrialização a qualquer custo, a reboque da mimetização dos padrões de consumo e estilo de vida das economias centrais, impulsionada pelo capital internacional e financiada pela concentração de renda.
No embalo do "milagre econômico", a modernização conservadora, que parecia indicar que o Brasil chegaria ao "primeiro mundo", nos estertores da ditadura militar, acabou desvelando sua verdadeira natureza, culminando trágica e melancolicamente na tutela formal do FMI sobre a política econômica. A industrialização por substituição de importações, voltada para a modernização dos padrões de consumo, foi determinada por uma conjuntura histórica externa e interna muito específica que, ao se desfazer, selou sua própria sorte.
Após 1990, a progressiva liberalização econômica liquidou o que ainda restava do simulacro de sistema econômico nacional. A especialização regressiva das forças produtivas na divisão internacional do trabalho está transformando o Brasil numa megafeitoria moderna. No projeto estratégico da burguesia, o futuro é o passado.
O acirramento da crise capitalista, patente na exaustão da ordem global e na aceleração do colapso climático, potencializa perigosamente o caráter pernicioso da acumulação de capital. A contradição insolúvel entre integração das forças produtivas em escala planetária e reprodução da relação capital-trabalho em bases nacionais solapa a capacidade do Estado burguês de limitar as aberrações do capital, agrava as desigualdades sociais e intensifica as rivalidades nacionais. A expansão desenfreada da riqueza e do consumo, desvinculada das necessidades humanas, e a transformação das forças produtivas em forças destrutivas aprofundam a ruptura metabólica entre a sociedade burguesa e a natureza, colocando na ordem do dia a própria possibilidade de extinção da vida no planeta. Para as economias atrasadas, o marco histórico é particularmente adverso.
Nesse contexto, a glorificação do desenvolvimentismo, em qualquer de suas variantes, seja como desenvolvimento nacional seja simplesmente como elevação da produtividade do trabalho e exaltação da riqueza material, é um engodo. A primeira, como vimos, está além das possibilidades históricas concretas. A segunda – uma versão edulcorada do crescimento – equivale a imaginar ser possível que um cachorro louco possa se curar da raiva mordendo a própria cauda.
Para frear a barbárie capitalista, é preciso ir além do capital e reconstruir o modo de viver e produzir da sociedade, tendo como referência o princípio da igualdade substantiva e uma ética da frugalidade. Trata-se de uma tarefa hercúlea. Aos poucos, catástrofes sem fim imporão a necessidade de uma economia da sobrevivência, alicerçada na cooperação e solidariedade entre trabalhadores livremente associados, como único antídoto efetivo à barbárie.
Muito mais do que o resgate de um desenvolvimentismo negado pela realidade, o controle do Homem sobre seu destino – a legítima concepção de desenvolvimento – depende da capacidade da sociedade de: a) organizar a produção em função das necessidades efetivas da população; b) definir as necessidades sociais levando em consideração a essencialidade e a qualidade dos valores de uso; c) priorizar políticas públicas que garantam a proteção social e fomentem o desenvolvimento humano; d) enfrentar a emergência climática e promover um modo de vida condizente com uma relação harmônica entre a humanidade e o meio ambiente; e, por fim, e) condicionar a expansão das forças produtivas ao aumento do tempo livre das pessoas – a verdadeira riqueza do ser humano.

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