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A Força da Mídia na Resistência Indígena: Como a Mídia Está Combatendo o Racismo e Ajudando a Ecoar as Vozes dos Povos Originários

A imprensa foi proibida pelo governo do Estado do Pará de fazer a cobertura da ocupação da SEDUC-PA (14/01 a 16/02) por lideranças indígenas. Somente após decisão judicial, em ação movida pelo Sindicato dos Jornalistas do Pará (SINJOR), a imprensa pôde ter livre acesso à Secretaria de Educação. Imagem: Info.Revolução.
A imprensa foi proibida pelo governo do Estado do Pará de fazer a cobertura da ocupação da SEDUC-PA (14/01 a 16/02) por lideranças indígenas. Somente após decisão judicial, em ação movida pelo Sindicato dos Jornalistas do Pará (SINJOR), a imprensa pôde ter livre acesso à Secretaria de Educação. Imagem: Info.Revolução.

 

Ka tücüna naina. Frase escrita na gramática kanamari e traduzida para o português significa: Olá, leitor(a).


A questão indígena no Brasil, especialmente no Amazonas, continua a ser um território de desconhecimento e incompreensão. O que se observa é um desdém profundo sobre nossa história de luta e resistência, e, mais do que isso, a constante tentativa de nos apagar da construção deste país. Quando um fato envolvendo indígenas é publicado pela mídia, não raro ele é distorcido, banalizado ou, no pior dos casos, ridicularizado por comentários racistas, preconceituosos e xenofóbicos.


Meu nome é Inory Kanamari, sou advogada indígena, e falo com autoridade de quem vive essa realidade todos os dias. A invisibilidade dos povos originários é uma das maiores violências que enfrentamos, uma violência que se perpetua através da negação da nossa identidade, da nossa história e do nosso direito de existir. A história desse país, que se construiu sobre o sangue de nossos ancestrais, não nos pertence, mas é uma história que temos o direito de recontar.


O artigo de hoje é mais um grito por respeito, mais uma tentativa de chamar atenção para o quanto ainda se desconhece, ou se prefere desconhecer, a nossa realidade. O que me leva a escrever é o eco de recentes reportagens que trouxeram à tona casos de total desrespeito aos povos indígenas, publicados pela Revista Cenarium e o Portal Info. Revolucao. Um desses casos, que me tocou profundamente, envolveu a divulgação de uma matéria sobre um indígena isolado que entrou em contato com uma comunidade ribeirinha no Amazonas. Imediatamente, a repercussão nas redes sociais trouxe à tona comentários repletos de racismo velado. Como por exemplo comentário racista de um leitor que escreveu: “Retornou com um iPhone e um sistema Star Link” a frase foi usado como uma piada racista, reforçando a ideia de que os povos isolados são atrasados, como se o uso de tecnologias fosse sinônimo de evolução. O que se ignora é que, como qualquer brasileiro, os indígenas também têm direito a viver, a aprender, a crescer e a se relacionar com o mundo de maneira plena, sem ser ridicularizados por suas escolhas.



Imagens: Info.Revolução


A cada reportagem sobre povos indígenas, a cada comentário preconceituoso, me vejo diante de um analfabetismo social, cultural e histórico devastador. Em 2025, como advogada indígena, é inconcebível ainda ser necessário defender a dignidade dos povos originários em uma sociedade que finge ignorar suas raízes. Enquanto isso, a sociedade não indígena se esconde por trás do medo de reconhecer a própria herança indígena.


Outro caso que me faz refletir é o triste episódio do indígena Kulina, que foi deixado em uma viatura pela Polícia Militar do Amazonas até a sua morte. Este é apenas um exemplo da violência sistemática que enfrentamos, que se reflete em números incontáveis de casos em que a vida de um indígena é descartada sem qualquer remorso. O mais absurdo é a tentativa de invisibilizar a situação, como ocorreu quando a Secretaria de Segurança Pública se recusou a comentar o caso, reforçando o silêncio cúmplice que perpetua o genocídio silencioso contra os povos indígenas. O que é ainda mais perturbador é o fato de que, em muitas dessas situações, as vítimas são sempre culpabilizadas.


E é com um pesar profundo que, como defensora dos direitos indígenas, destaco a irresponsabilidade de algumas ONGs que, sob o pretexto de cumprir suas metas, acabam expondo a vida dos indígenas a riscos desnecessários. O recente resgate de 56 indígenas após um naufrágio no Vale do Javari ilustra bem esse cenário. O transporte de grupos indígenas sem as devidas condições de segurança, especialmente quando envolvem crianças e idosos, revela a falta de compromisso real com a vida e a dignidade desses povos.

O caso mais recente que ganhou atenção foi dos dois jovens indígenas Munduruku, de 20 e 14 anos, que ficaram perdidos por seis dias no Rio Canumã. Ao ler as reportagens e os comentários sobre o caso, é impossível não perceber o racismo e a ignorância que ainda permeiam a visão de muitos sobre os povos indígenas. Vale ressaltar que a floresta, para nós, é um território de sabedoria, repleto de mistérios e ensinamentos que fazem parte da nossa cultura e espiritualidade. Não é um simples erro de navegação ou de comunicação.


É importante ressaltar que o fato de um indígena sair da aldeia, estudar, ter um iPhone, dirigir um carro ou se tornar um profissional não significa que ele tenha perdido sua identidade. Ao contrário, ele segue sendo indígena, com o direito de se inserir na sociedade urbana e usufruir de tudo que a mesma oferece para garantir sua sobrevivência e sua luta por justiça. Somos seres múltiplos, temos o direito de vivenciar a cultura urbana, mas sem jamais abrir mão de nossas origens e da história que carregamos no nosso corpo/território e espírito.


É por isso que insisto em escrever. Porque em todos esses casos, que repercutiram, fica evidente a falta de seriedade e empatia com que os indígenas são tratados, não pela mídia, mas por alguns leitores que insistem em ridicularizar a existência dos povos. O que é notícia, para muitos, é tratado com desdém, com uma falsa empatia, e, no fundo, o que se esconde é a tentativa de reduzir a vida indígena a um mero estereótipo. Não se trata de um jogo ou de uma piada. Trata-se de vidas humanas. Vidas que, como qualquer outra, merecem ser reconhecidas, respeitadas e dignificadas.


Em todos os casos mencionados, e que ainda são invisibilizados pela sociedade manauara, fica claro que a luta pela nossa existência não é apenas uma luta de resistência, mas também uma luta por reconhecimento, por valorização. Não somos menos, não somos inferiores. Somos indígenas e, como tal, nossa luta e nossa história merecem ser respeitadas.


A importância de mídias como a Revista Cenarium e a Inf. Revolucao na luta contra o preconceito, o racismo e a xenofobia são indiscutíveis. Em um contexto em que as vozes indígenas são frequentemente silenciadas, distorcidas ou ridicularizadas, a mídia vem dando cada vez mais visibilidade a esses relatos, trazendo à tona as questões que, muitas vezes, são ignoradas ou minimizadas.

É por meio de reportagens que abordam casos como os mencionados, que se torna possível expor as realidades difíceis e muitas vezes invisíveis vividas pelos indígenas, assim como os episódios de violência institucional e o preconceito que permeiam a sociedade. Ao dar espaço para essas histórias, a mídia contribui diretamente para a conscientização da população e para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde o racismo e a xenofobia não têm mais espaço para se perpetuar.


No entanto, não podemos deixar de reconhecer que a luta ainda é longa. A responsabilidade da mídia vai além de apenas relatar os fatos – ela deve também, e sobretudo, contribuir para a mudança de mentalidade e para o fortalecimento da dignidade e dos direitos dos povos indígenas. Ao continuar a visibilizar essas questões com empatia e seriedade, a mídia se coloca ao lado de uma causa essencial: a luta por respeito, reconhecimento e valorização dos povos originários, cujas histórias e vivências são fundamentais para a construção do Brasil que queremos para o futuro.


Bapo ikoni. Até a próxima pauta.


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*Inory Kanamari - Primeira advogada indígena do povo kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, Vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024, atuou como Consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. Articulista da Revista Cenarium, ativista, poetisa, membra na ALCAMA (Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia). Escreve como colaboradora toda terça-feira e aos sábados para o Portal Info.Revolução.
*Inory Kanamari - Primeira advogada indígena do povo kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, Vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024, atuou como Consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. Articulista da Revista Cenarium, ativista, poetisa, membra na ALCAMA (Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia). Escreve como colaboradora toda terça-feira e aos sábados para o Portal Info.Revolução.


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