APIB denuncia violência e violações de direitos de indígenas no sistema prisional
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- 15 de set.
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Nota técnica destaca o caso de uma mulher Kokama submetida a abusos e aponta para o racismo institucional que perpetua o encarceramento massivo de povos originários
Por Douglas Diniz – Jornalista, Repórter Sem Fronteiras (RSF), membro da Direção da Revolução Socialista (RS) e da Liga Internacional Socialista (LIS), Coordenador do Portal Info.Revolução.
E-mail: contato@inforevolucao.com
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) protocolou, em agosto deste ano, uma nota técnica para denunciar o crescente encarceramento de indígenas e as graves violações de direitos humanos que ocorrem no sistema prisional do país.
O documento, endereçado a órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os Ministérios da Justiça, dos Povos Indígenas e dos Direitos Humanos, utiliza um caso chocante ocorrido em Santo Antônio do Içá, no Amazonas, para ilustrar a urgência do problema.
A nota detalha o caso de uma mulher indígena do povo Kokama, de 29 anos, mãe de dois filhos, que foi condenada a 16 anos e 7 meses de prisão por homicídio. Entre novembro de 2022 e agosto de 2023, ela permaneceu detida em um ambiente prisional inadequado, compartilhando cela com homens e com seu filho recém-nascido.
A APIB relata que a mulher foi submetida a abusos e ameaças reiteradas por quatro policiais militares e um guarda municipal que a custodiavam.
A vítima, que estava em período de puerpério (período pós-parto em que o corpo da mulher se recupera e o sistema reprodutivo retorna às condições pré-gravidez), não denunciou os abusos por medo de represálias. No entanto, após ser transferida para o Centro de Detenção Feminino de Manaus em 28 de agosto de 2023, ela formalizou um Boletim de Ocorrência. Um exame de corpo de delito realizado no Instituto Médico Legal confirmou vestígios compatíveis com as violências narradas.
O caso está sob segredo de justiça, mas a APIB aponta que ele é um entre inúmeros exemplos de violência contra indígenas no cárcere, onde a identidade étnica é frequentemente ignorada.
"O documento da APIB salienta que a criminalização de indígenas é um reflexo do racismo institucional", denuncia a advogada indígena Inory Kanamari.
Ela conclui que a aplicação da lei penal brasileira "é marcada por abusos, como a ausência de intérpretes para indígenas que não dominam o português e a não aplicação de regimes especiais de cumprimento de pena previstos no Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973)".
Conforme dados do Relatório de Informações Penais (RELIPEN), havia 1.281 indígenas encarcerados no Brasil até dezembro de 2023, sendo 82 mulheres.
A nota da APIB recomenda a adoção de medidas urgentes, como a criação de um Departamento de Justiça e Desencarceramento Indígena no âmbito do Poder Executivo Federal. A entidade também sugere a fiscalização da atuação policial e penitenciária com recorte étnico, a elaboração de protocolos específicos para mulheres indígenas e o fortalecimento de medidas alternativas à prisão.

"O documento da APIB salienta que a criminalização de indígenas é um reflexo do
racismo institucional"
Essas ações visam garantir a efetivação de direitos já assegurados em legislações nacionais e internacionais, como a Resolução do CNJ nº 287/2019 e a Convenção 169 da OIT.
É urgente que o governo Lula (PT/Frente Ampla) desmonte a máfia dos cartórios, cúmplice da grilagem de terras, sobretudo na Amazônia. Essa prática é a responsável direta pelos conflitos e pela violência promovida por invasores, o que agrava a situação dos povos originários.
Além disso, é necessário combater o garimpo e a pesca ilegal, a extração predatória de madeira e o tráfico de espécies silvestres. Essas ações, promovidas pelos chamados “donos de barranco”, não apenas ameaçam a biodiversidade e a fauna brasileiras, como também causam conflitos violentos.
Elas estiveram diretamente ligadas ao assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, em 5 de junho de 2022, durante uma expedição em Atalaia do Norte, no Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do Brasil.
A nota técnica da APIB solicita o mínimo do governo que é:
Criação de um Departamento de Justiça e Desencarceramento Indígena no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, com adoção de estratégias conjuntas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério dos Povos Indígenas e Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Execução integral da Resolução CNJ 287/2019 e sua articulação direta com os Planos Pena Justa Nacional e estaduais.
Fiscalização da atuação das forças policiais e do sistema penitenciário com recorte étnico e territorial.
Fortalecimento das visitas e monitoramento a unidades prisionais com presença indígena.
Criação de protocolos específicos para mulheres indígenas privadas de liberdade.
Acompanhamento dos casos de violência institucional com foco interseccional, levando em consideração as dimensões étnico-raciais, de gênero, culturais e linguísticas dos povos indígenas.
Apoio jurídico e antropológico nos processos envolvendo indígenas.
Articulação com comunidades e lideranças para aplicação de penas alternativas à prisão e culturalmente adequadas.
Promoção de justiça comunitária indígena como forma de resolução de conflitos.
A nota técnica da APIB é assinada por Ricardo Terena, coordenador jurídico da APIB, e Ingrid Gomes Martins, coordenadora jurídica da APIB.
O documento também conta com as assinaturas de Luiza Tuxá (Ayrumã Tuxá), assessora jurídica da APIB, e Manuele Tuyuka, estagiária da assessoria jurídica da entidade.
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