Privatização do Rio Tapajós: Entre o discurso ecológico e a prática entreguista
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- há 3 dias
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Não é de hoje que o agronegócio e o capital vêm transformando a Amazônia. O Tapajós, que por séculos foi rio de vida, alimento e memória para ribeirinhos e indígenas, agora enfrenta a ameaça de se tornar mais um corredor de lucro. O Decreto nº 12.600/2025, assinado pelo governo Lula, autoriza a privatização das hidrovias amazônicas, em flagrante contradição entre o discurso ambiental prometido e a realidade: a entrega do território ao capital que há décadas explora, desmata e desloca comunidades.
Entre o discurso verde e a prática entreguista
Na campanha e nos palcos internacionais, Lula se apresenta como defensor da Amazônia, prometendo um novo pacto ecológico e o fim do desmatamento ilegal até 2030. Mas, na prática, o governo segue o mesmo roteiro de mercantilização do território amazônico, agora travestido de “desenvolvimento sustentável”.
O que o governo Lula chama de desenvolvimento sustentável é, na verdade, um extrativismo disfarçado, sustentado pelo marketing ambiental que engana a opinião pública e as próprias comunidades afetadas.
A retórica das concessões
Não se engane com o eufemismo. Quando falam em “concessão” ou “parceria público-privada” para o Rio Tapajós, o que está realmente em jogo é a privatização de um bem comum, da veia pulsante da Amazônia.
O projeto, vendido como a salvação para o escoamento da produção de grãos, é na verdade a materialização de um projeto de país que enxerga a floresta e seus rios não como patrimônio, mas como obstáculo ao lucro.
O mito do progresso
De um lado, os arautos do "progresso" apresentam números reluzentes: redução do custo logístico para o agronegócio, atração de investimentos bilionários, geração de empregos. Falam em uma "ferrovia sobre a água", uma hidrovia eficiente que cortará o caminho para a soja chegar aos portos.
É um discurso sedutor, especialmente para uma região carente de desenvolvimento. No entanto, essa narrativa omite o essencial: qual o preço desse suposto progresso e para quem ele realmente servirá?
O Tapajós como território de vida
A verdade é que o Rio Tapajós não é uma linha reta e inerte em um mapa logístico. Ele é um ecossistema complexo, sagrado para as populações ribeirinhas e para os povos indígenas Munduruku, que há séculos dependem de suas águas para viver, física e culturalmente.
A dragagem intensiva para aprofundar o canal, o barulho constante dos comboios, o risco crônico de vazamentos de combustível e o assoreamento significarão, na prática, a morte lenta do rio.
A "eficiência" logística exige a retificação da natureza, a supressão de suas curvas e a anulação de sua vida. O progresso para alguns se traduz em desterro e miséria para outros.
Os números que desmentem o discurso
Entre 2010 e 2022, o MapBiomas (2024) registrou mais de 2,3 milhões de hectares desmatados na bacia do Tapajós, impulsionados por soja, pastagens e obras de infraestrutura. O Instituto Escolhas (2023) alerta que a privatização das hidrovias pode aumentar em até 40% a pressão sobre áreas de floresta primária, provocando deslocamentos de comunidades inteiras.
O WWF-Brasil (2024) mostra que dragagens e barramentos alteram o fluxo natural do rio, comprometendo a pesca, o transporte local e a qualidade da água. Ou seja, a “eficiência logística” do governo é, na verdade, mais destruição social e ambiental.
E mais grave: nenhuma consulta prévia foi realizada, como exige a Convenção 169 da OIT. As decisões seguem sendo tomadas de Brasília, ignorando as vozes que habitam e defendem o Tapajós há gerações.
Progresso para quem?
“Desestatizar” virou sinônimo de progresso. Mas progresso para quem? Para as multinacionais que transformam o rio em rota de exportação de commodities, enquanto as comunidades locais perdem o direito de pescar, navegar e viver?
O geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves alerta: “a globalização da natureza transforma os rios em corredores de escoamento e os povos em obstáculos”.
A entrega da soberania
A concessão de um rio desta magnitude não é a locação de uma praça de pedágio. É a transferência, por décadas, do controle sobre um território estratégico para uma corporação privada. Que poder terão as comunidades locais quando o acesso à água e às margens for regulado por um contrato cujo principal objetivo é o retorno financeiro?
A soberania nacional sobre a Amazônia, tão cantada em prosa e verso, esvai-se quando entregamos a chave de um de seus principais rios a acionistas cujos interesses podem estar a milhares de quilômetros de distância.
A Amazônia como espaço de vida
Como escreveu Davi Kopenawa, “a terra é viva, e quem fere a terra fere a si mesmo”. O Estado brasileiro insiste em ferir. Diz que protege, mas entrega. O discurso verde é uma cortina de fumaça para continuar a exploração e o deslocamento de comunidades.
Não se trata de ser contra o desenvolvimento ou de romantizar a pobreza. Trata-se de questionar que tipo de desenvolvimento queremos. Um que concentra renda, exporta commodities e sacrifica o meio ambiente e as culturas tradicionais no altar do PIB?
Ou um desenvolvimento que valorize a floresta em pé, que invista em bioeconomia, que ouça os povos da floresta e que enxergue no Tapajós um patrimônio ecológico e cultural inestimável, cujo valor é infinitamente superior ao da soja que por ele trafegará?
Um futuro hipotecado
A polêmica da privatização do Tapajós é a encarnação de um conflito maior: a disputa entre a Amazônia como espaço de vida e a Amazônia como colônia de recursos a serem explorados.
Portanto, privatizar o rio é mais do que uma operação econômica; é um ato de violência simbólica e material que silencia as águas, ignora os povos e hipoteca o futuro em nome de um presente lucrativo para poucos.

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