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Quando a fantasia vira política: O surreal mundo dos 'Direitos' dos bebês Reborn

Por Tamara Karam, advogada, com especialização em Processo Civil com ênfase em Execução pela ESA-AM. Analista municipal da Procuradoria Geral do Município de Manaus.   


Recentemente, temos presenciado uma série de notícias que envolvem a “adoção” de Bebês Reborn no Brasil e no mundo. Chega a ser inacreditável que uma pessoa adulta possa “adotar” como filha uma boneca que se assemelha, com perfeição, a um recém-nascido. Porém, tem sido cada vez mais freqüente episódios envolvendo pessoas adultas que agem como se a boneca fosse, de fato, um recém-nascido.


Num primeiro momento, pode parecer que se trata apenas de um problema de quem adota, de modo a atingir apenas a esfera individual do cidadão. Contudo, se olharmos com mais atenção às várias nuances do fato, veremos que não é bem assim, e que o problema atinge a sociedade como um todo.


Imagem: Arquivo.Net
Imagem: Arquivo.Net
Como um primeiro ponto a se chamar atenção, é o de possibilitar que essas pessoas, acreditando que possuem realmente um bebê nos braços, queiram fazer valer seus direitos preferenciais de atendimento nos órgãos públicos e outros locais, como supermercados, bancos, lojas em geral. Inclusive, já existem relatos, por exemplo, de pessoas que se sentiram lesadas por terem cedido o seu lugar na fila do caixa do supermercado, tendo descoberto, ao final do atendimento, que se tratava de uma boneca nos braços, o que gerou revolta por parte de quem cedeu.

Nas cidades de Santo Antônio de Jesus e Guanambi, no interior da Bahia, houve casos de procura ao hospital público da cidade para atendimento de bebê reborn. Em Santo Antônio de Jesus, a “mãe” recebeu a informação de que não seria possível o atendimento do “bebê”, e solicitou, então, o atestado de comparecimento ao local, documento que diverge do atestado médico. O profissional de saúde que a atendia ficou sem saber direito como deveria proceder, pois, de fato, a pessoa encontrava-se presente no local. Independente do desfecho do episódio, mostra-se importante refletir no quanto uma situação como essa, se normalizada, pode interferir nas relações pessoais e profissionais. O atestado de comparecimento, uma vez emitido pelo médico, pode justificar não apenas eventuais atrasos no serviço, mas até mesmo uma falta, se pensarmos em uma atividade laboral com menor tempo de duração. 

          

Episódios como esses tem sido tão freqüentes que, inclusive, já há projeto de lei (PL 2326/2025) do Deputado Paulo Bilynskyj (PL/SP) que objetiva proibir o atendimento a bonecos hiper-realistas em unidades de saúde públicas e privadas, inclusive nas conveniadas ao SUS. Claramente se percebe que o problema há muito já ultrapassou a esfera da individualidade e atingiu a coletividade. Movimentar o Poder Legislativo para analisar um projeto de lei que, evidentemente, nem deveria ser discutido, uma vez que se trata de objeto inanimado, além de ultrapassar a normalidade, atrapalha o Legislativo de exercer a análise de projetos de leis mais importantes, e que tramitam a mais tempo, em benefício do povo.


E porquê não se permitir o atendimento na rede privada? Se a pessoa quer pagar, qual o problema? Poderia o leitor pensar, não vendo motivos para a proibição. Ocorre que a permissão a atendimentos de bonecos na rede privada, certamente, seria um estímulo a profissionais (de caráter duvidoso), que aceitariam abraçar esse “delírio”, a uma forma de enriquecimento ilícito, já que a contraprestação do serviço não existirá efetivamente, mas apenas no imaginário da mãe de bebê reborn. E o Estado não pode, de forma alguma compactuar com isso, mesmo porque, posteriormente, essas pessoas podem, por qualquer razão, sentir-se lesadas e ajuizar ações apontando uma omissão do Estado quanto à falta de proteção, e até exigindo indenizações, o que traria problemas maiores ao Poder Público.

Imagem: Arquivo.Net
Imagem: Arquivo.Net

Tanto é assim, que já temos notícias de ação judicial que envolve a discussão de supostos “direitos” envolvendo o bebê reborn. Há notícia de que no Estado de Goiás, por exemplo, há um casal em processo de divórcio litigioso que discute a “guarda” e outros direitos envolvendo um bebê reborn adotado pelo casal. É a problemática, mais uma vez, saindo da esfera individual e atingindo o coletivo.


Nesse ponto, importante frisar que o Poder Judiciário em todo o país enfrenta problemas de deficiência quanto ao número de juízes frente às demandas propostas, sendo esta uma das causas da morosidade da Justiça. Agora, imagine o quanto a questão dos bebês reborn pode contribuir para agravar o problema, uma vez que os juízes, ao invés de gastarem tempo analisando ações sobre saúde, educação, direitos coletivos e outras demandas importantes, irão precisar demandar tempo analisando ações que envolvam situações com bebês reborn. Em razão do Princípio da Inafastabilidade da Tutela Jurisdicional, previsto no art. 5º, XXXV da CF, o Poder Judiciário não pode deixar de apreciar qualquer lesão ou ameaça a direito. Contudo, espera-se que o Judiciário dê uma resposta eficaz em não acolher pedidos relacionados a bebês reborn, porque isso implicaria um efeito multiplicador de ações, uma vez que parecemos estar vivenciando um “surto coletivo”.

De outro lado, a questão, por si só, mostra-se absurda, uma vez que é inaceitável que se movimente a máquina do Judiciário para analisar demandas que sequer deveriam ter sido propostas. Isso implica, indiretamente, em desperdício de dinheiro público, já que o custo de funcionamento dos órgãos públicos não é baixo.


E a coisa pode ficar pior, pode haver gasto de dinheiro público de forma direta, inclusive, no acolhimento desse delírio de “maternidade” de bebê reborn. A exemplo, a Prefeitura de Sorocaba (www.sorocaba.sp.gov.br) lançou o Programa “Brincando com o Bebê Reborn” que consiste na reunião de pessoas no Paço Municipal com o objetivo de propiciar às pessoas um momento de descontração e alegria junto aos seus familiares e amigos. Pelo programa cada grupo de 25 crianças receberá e brincará com bebês reborn durante 20 minutos, cedidos pela Prefeitura de Sorocaba em parceria com a iniciativa privada. Após esse período, receberá réplica de exame de ultrassom, Certidão de Nascimento, RG, Carteira de Vacinação de seu bebê reborn.


Embora o referido programa seja, inicialmente, voltado para crianças, não é forçoso imaginar que adultos que consideram o bebê reborn um filho acreditam piamente que eles são crianças e logo estarão participando do Programa. Não obstante a Prefeitura de Sorocaba informe que não há gasto de dinheiro público no fornecimento dos bebês reborn para as crianças brincarem, de igual modo, não é difícil prever que logo outras Prefeituras lançarão programas similares, utilizando dinheiro público para implementar o programa, o que seria um completo absurdo.


E o que dizer da movimentação da polícia judiciária em casos envolvendo um bebê reborn? Não, você não leu errado. Há notícia de um caso em que uma mulher registrou um boletim de ocorrência onde apontava maus-tratos contra a sua “filha” por parte de um rapaz com quem mantinha um relacionamento amoroso. O acusado recebeu a intimação para comparecer à delegacia a fim de prestar esclarecimentos, porque a polícia sequer podia imaginar que se tratava de uma boneca. Somente após ser ouvido, e a polícia ter se dirigido até a residência da denunciante para verificar a existência ou não da criança, é o que o caso foi esclarecido. Mais uma vez, a problemática ultrapassou a esfera individual, e atingiu a coletividade, movimentando o Estado, desperdiçando o tempo dos agentes e o dinheiro público.

De outro lado, estamos encontrando profissionais que viram nesse delírio um “nicho” para ganhar dinheiro. As artesãs que confeccionam bebês realistas estão animadas com o aumento das vendas, andam criando páginas em redes sociais tratando o fato como se fosse algo absolutamente normal e até incentivando que as “mamães” ajam como se estivessem gestando. Alguns psicólogos andam tentando explicar e justificar para a sociedade que isso é uma forma da pessoa “preencher uma carência” e tratando o assunto como se fosse algo passível de compreensão, e não é. Longe de querer adentrar na discussão de doença mental, restrinjo-me a afirmar que um adulto que adota um bebê reborn como “filho” está com a sanidade mental comprometida e precisa de tratamento. 

  

Portanto, caro leitor, uma conduta que, de início, pode parecer inofensiva, apenas um delírio de alguém com a sanidade mental comprometida, na verdade, pode atingir (e muito) a sociedade como um todo, sobretudo quando envolve a utilização de serviços públicos essenciais, seja porque os desvia dos reais destinatários, seja porque implica em desperdício de dinheiro público. Isso sem desconsiderar as adversidades que podem surgir no convívio natural com pessoas que acreditam que uma boneca tem os mesmos direitos de um ser humano. Assim, é importante que a sociedade, bem como o Estado, deixe de tratar o assunto como algo que atinge apenas a esfera individual do cidadão, e passe a olhar que a coletividade será prejudicada se tal conduta for normalizada.


Tamara Karam é mãe, advogada com especialização em Processo Civil com ênfase em Execução pela ESA-AM. Atua como analista da Procuradoria Geral do Município de Manaus, onde alia sensibilidade, técnica e compromisso com a justiça na defesa do interesse público. Também é articulista da Revista Cenarium, onde contribui com reflexões críticas sobre direito, cidadania e temas sociojurídicos atuais.
Tamara Karam é mãe, advogada com especialização em Processo Civil com ênfase em Execução pela ESA-AM. Atua como analista da Procuradoria Geral do Município de Manaus, onde alia sensibilidade, técnica e compromisso com a justiça na defesa do interesse público. Também é articulista da Revista Cenarium, onde contribui com reflexões críticas sobre direito, cidadania e temas sociojurídicos atuais.




 

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