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Sustentabilidade no discurso, especulação no contrato

Imagem: Arquivo.Net
Imagem: Arquivo.Net

O governo do Pará e a Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (Caapp) foram alvo de uma recomendação conjunta do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Estado do Pará (MP), no dia 15 de abril. O teor do documento exige a anulação sem demora do contrato internacional de compra e venda de créditos de carbono firmado com uma aliança estrangeira de governos e do setor privado.


Anunciado como uma conquista histórica para o Pará, o contrato bilionário de venda de créditos de carbono selado pelo governo de Helder Barbalho durante a Semana do Clima em Nova York em 2024, não resistiu ao crivo do Ministério Público e do Ministério Público do Estado do Pará que não tardaram em soar o alarme, recomendando a anulação imediata desse acordo bilionário.


O que foi apresentado como um passo ousado rumo à economia verde é, na prática, um acordo internacional envolto em ilegalidade, obscurantismo e desrespeito às populações tradicionais. Uma narrativa de sustentabilidade que desmorona quando confrontada com os fatos: promessas de venda antecipada, exclusão de povos da floresta e um contrato que mais se assemelha a uma peça especulativa do que a uma política ambiental legítima.
Bilhões à margem da lei

A ilegalidade não é pequena. A Lei nº 15.042/2024, sancionada no próprio estado do Pará, proíbe categoricamente a comercialização de créditos de carbono ainda não gerados. Mesmo assim, o governo estadual negociou a promessa de 12 milhões de toneladas de carbono a 15 dólares cada — uma receita de R$ 1 bilhão baseada em projeções futuras e incertezas.


Não é à toa que o MPF e o MP pediram a anulação imediata do contrato, apontando riscos jurídicos, omissão de garantias mínimas e possível usurpação de áreas federais, como terras indígenas e unidades de conservação. A firmeza do Ministério Público, ao apontar a ilegalidade da operação, oferece uma réstia de esperança. Ela sinaliza que os órgãos de controle estão atentos e dispostos a impedir que a ganância desenfreada se sobreponha ao arcabouço legal e ético que deveria guiar a gestão ambiental.


A expectativa é que essa atuação sirva de freio a iniciativas que, embaladas em discursos de modernidade e progresso verde, podem mascarar a privatização de bens comuns e a violação de direitos.


Diante da recomendação do Ministério Público, o governo do Pará se encontra em uma encruzilhada. Acatar a decisão dos órgãos de controle e buscar alternativas que respeitem a legislação e os direitos das comunidades tradicionais, ou persistir em um modelo que, além de questionável juridicamente, acirra tensões sociais e ambientais.

A resposta a essa questão definirá não apenas o futuro dessa bilionária negociação, mas também a postura do estado em relação à proteção de seu patrimônio natural e ao respeito aos seus povos.

Carbono à venda, consulta ausente

O que mais impressiona, no entanto, é a ausência de diálogo. A Convenção 169 da OIT obriga o Estado a consultar povos indígenas e comunidades tradicionais sobre projetos que afetem seus territórios. Nada disso foi feito. As lideranças sequer foram informadas, quanto mais envolvidas. A floresta, mais uma vez, é colocada no mercado sem que seus guardiões históricos tenham voz. O governo paraense parece seguir a velha máxima colonial: fazer negócios sobre a Amazônia, e não com ela.


Em um posicionamento contundente no ano anterior, um grupo de 38 entidades formalizou uma denúncia, classificando como ‘inaceitável’ a postura do governo do Pará em tomar decisões sem a devida consulta às comunidades tradicionais. O documento ressaltava o papel fundamental dessas comunidades como protetoras das florestas e sua vulnerabilidade diante da falta de políticas efetivas de adaptação climática.


Enquanto discursos públicos exaltam a defesa do meio ambiente, os bastidores do contrato revelam uma lógica puramente mercantil: transformar ativos ambientais em commodities globalizadas, ignorando a soberania territorial e os direitos coletivos. A pressa em “vender carbono” revela mais interesse em capital político e financeiro do que em promover justiça climática. É o velho extrativismo, agora reembalado com selo ESG e carimbo de coalizão internacional.
 O custo político da vitrine verde

Um escândalo como esse levanta suspeitas sobre a governança ambiental brasileira e pode gerar desconfiança entre financiadores, ONGs e governos estrangeiros — especialmente os que defendem o uso ético dos mercados de carbono.


Esse caso evidencia o vácuo jurídico e a fragilidade da governança dos créditos de carbono no Brasil. A repercussão pode pressionar o governo federal a acelerar a regulamentação nacional do mercado de carbono e exigir maior controle sobre ações estaduais, para evitar novos contratos obscuros às vésperas da COP 30.


Em tempos de emergência climática, vender sustentabilidade como fachada para especulação é uma afronta. Pior ainda quando essa prática é feita em nome do povo, mas sem consulta ao povo. O Pará poderia estar na vanguarda de uma nova economia verde com responsabilidade social. Escolheu, por enquanto, o atalho do marketing ambiental.

A sustentabilidade genuína não se constrói com canetadas em gabinetes, mas sim com a inclusão de todas as partes interessadas, com transparência nos processos e com a garantia de que os benefícios da conservação sejam distribuídos de forma justa. A floresta amazônica e seus povos não são mercadorias a serem leiloadas no mercado de carbono. São patrimônios vivos, detentores de conhecimentos ancestrais e cruciais para o equilíbrio climático do planeta.

Portanto, a urgência de um basta se impõe. É fundamental que a pressão da sociedade civil e a vigilância do Ministério Público prevaleçam, impedindo que a busca incessante por lucro transforme a Amazônia em mais um capítulo de exploração em nome de uma sustentabilidade seletiva – uma sustentabilidade para poucos, onde o brilho dos cifrões ofusca o valor inestimável da floresta e a dignidade de seus povos. A verdadeira agenda verde passa, necessariamente, pelo respeito aos direitos, pela participação efetiva e pela justiça social.


Afinal, a pergunta que ecoa é: sustentabilidade para quem, quando a lógica do lucro parece sobrepujar os direitos fundamentais e a voz daqueles que guardam a floresta? A resposta a essa indagação moldará o futuro da Amazônia e a credibilidade das iniciativas de conservação no Brasil.


Ailane Brito: Técnica em agroecologia, radialista, pedagoga em formação pela UFOPA. Atua na área de sustentabilidade e educação, conciliando conhecimento técnico com música e poesia.
Ailane Brito: Técnica em agroecologia, radialista, pedagoga em formação pela UFOPA. Atua na área de sustentabilidade e educação, conciliando conhecimento técnico com música e poesia.

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