UFPA: A Conivência Institucional com o Racismo, Xenofobia e Preconceito Contra Alunos Negros, Indígenas, Estrangeiros e Deficientes
- contatoinforevollu
- 4 de mar.
- 4 min de leitura
Ka tücüna naina. Frase escrita na gramática kanamari e traduzida para o português significa: Olá, leitor(a).
O objetivo deste artigo é trazer à tona uma realidade que tem sido silenciada e ignorada por muitos: o racismo, o preconceito e a xenofobia institucional dentro das universidades, como ocorre na Universidade Federal do Pará (UFPA). Com minha vivência como mulher indígena, sou testemunha e porta-voz de inúmeras vítimas que, como eu, enfrentam um sistema que não apenas negligencia, mas ativamente perpetua a exclusão de grupos historicamente marginalizados.
O estado do Pará, com sua rica diversidade de povos indígenas e uma população negra moldada pela luta e resistência, ainda enfrenta uma realidade em que tanto o estado quanto a UFPA não reconhecem verdadeiramente o valor e a dignidade dos povos originários. Isso gera enormes prejuízos sociais e históricos, mantendo essas populações marginalizadas e com acesso limitado à educação superior.

Embora a UFPA seja uma instituição pública com um programa de cotas destinado a garantir o ingresso de estudantes negros e indígenas, na prática, essa política não passa de uma fachada. O processo seletivo para o mestrado, por exemplo, revela uma estratégia de engano, em que a universidade oferece vagas para negros e indígenas, mas adota práticas que desrespeitam e deslegitimam a identidade racial e indígena dos candidatos, chegando a abusar institucionalmente.
Candidatos que apresentam documentos que comprovam sua identidade indígena ou negra são submetidos a uma humilhação pública e uma pseudoavaliação de sua “autodeclaração”, realizada por uma banca composta, em sua maioria, por professores brancos e elitizados. Esses membros têm a incumbência de decidir quem é indígena ou negro, desconsiderando completamente os documentos apresentados. O mais cruel é o comportamento desrespeitoso e a violência psicológica cometida durante essas seleções, com gritos e humilhações, que buscam invalidar a identidade racial e indígena dos candidatos. Esses estudantes são impedidos até de registrar qualquer parte do processo, sendo submetidos a uma verdadeira tortura psicológica.
Caso decidam recorrer da decisão, os candidatos enfrentam mais uma injustiça: o recurso é julgado pela mesma banca que os desclassificou, configurando um evidente conflito de interesse e revelando a falta de imparcialidade do processo. O que se perpetua é um sistema excludente que desconsidera a verdadeira identidade dos povos indígenas e negros.
Minha experiência pessoal no processo seletivo de 2021 para o mestrado na UFPA exemplifica essa violência institucional. Fui reprovada com o argumento absurdo de que meu Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI), emitido pela FUNAI, seria falso. A antropóloga responsável pela avaliação desconsiderou a realidade da emissão de documentos pela FUNAI, que só pode ser feito quando o indígena viaja a locais com estrutura para tal. Além disso, ignorou minha história e a luta da minha família pela preservação da nossa cultura. Em um ato de desrespeito absoluto, a antropóloga me chamou de mentirosa em frente aos membros da banca, negando até a existência do povo Kanamari e ignorando a história do meu povo, que, embora originário do Rio Juruá, tem parte de seus membros migrados para o Vale do Javari.
Esse não é um caso isolado. Em 2023, a estudante Clara Costa também teve sua autodeclaração como negra contestada pela mesma banca de heteroidentificação, apesar de sua história de vida e identidade racial evidentes. O que está em jogo não é apenas o acesso à cota, mas a dignidade e o direito à educação superior de indivíduos que, como nós, fomos historicamente marginalizados e oprimidos.
Infelizmente, são inúmeras as vítimas da pseudoantropóloga protegida pela UFPA. Há diversos relatos de alunos negros, indígenas, estrangeiros e com deficiência que denunciaram abusos cometidos por Jane Beltrão. A UFPA, por sua vez, tem se mantido inerte, sem tomar ações concretas para corrigir essa situação. Nas últimas semanas, estudantes vítimas de abusos se reuniram para protestar contra o racismo, preconceito e xenofobia institucionalizados na universidade.
Não podemos mais permitir que a UFPA e outras instituições públicas continuem a ser coniventes com essas práticas de discriminação. A universidade tem a obrigação de promover uma educação inclusiva, que respeite as identidades raciais e culturais de seus alunos, ao invés de perpetuar um ambiente de humilhação e preconceito. A recente nota emitida pela UFPA, tentando se distanciar das atitudes racistas da professora Jane Beltrão, é insuficiente e revela a inação da instituição diante da gravidade da situação. Repúdio não basta. A UFPA precisa abrir procedimentos administrativos para investigar e punir as atitudes discriminatórias e racistas dentro de seu ambiente.
O mais doloroso é perceber o desconhecimento e o desprezo pela história e pela luta dos grupos minorizados. Para nós, negros e indígenas, o acesso à educação já é um obstáculo imenso, uma batalha constante. Quando finalmente conseguimos alcançar a oportunidade de ingressar na universidade, nos deparamos com uma instituição que, ao invés de nos apoiar, perpetua o racismo, o preconceito e a xenofobia. Isso não apenas gera sofrimento emocional profundo, mas também prejuízos financeiros irreparáveis, uma vez que muitos de nós investimos tempo, recursos e esperanças em um processo seletivo que, ao invés de acolher, deslegitima nossas identidades. O resultado é uma dor ainda maior: a frustração de não ver justiça, de ver nossos direitos negados e nossa dignidade esmagada.
Nós, como advogadas, acadêmicas e militantes indígenas e negras, exigimos o fim da conivência da UFPA com essas práticas desumanas. Exigimos que o processo de seleção seja verdadeiramente inclusivo, que as políticas de cotas sejam efetivas e que os direitos dos povos originários e da população negra sejam respeitados. O que está em jogo é o nosso direito de existir, de ser quem somos, sem sermos humilhados ou deslegitimados. A luta continua, e estamos aqui para garantir que as vítimas do racismo e da xenofobia institucional encontrem justiça.

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