Giancarlos, Oxford e a porta fechada: Quando nem o melhor currículo quebra o muro do racismo
- contatoinforevollu
- 3 de jun.
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Giancarlos Moreira Gama é advogado, negro, periférico — e mestre em Políticas Públicas por uma das universidades mais prestigiadas do mundo: a Universidade de Oxford. Mas nada disso foi suficiente. Nada disso abriu as portas que permanecem cerradas para corpos negros no Brasil. Mesmo com um currículo irretocável, Giancarlos segue sendo sistematicamente excluído dos espaços de poder que, ironicamente, dizem buscar diversidade.
Essa história não é exceção. É sintoma. É reflexo de um país que aplaude a meritocracia quando o mérito tem pele clara. Quando não tem, inventa desculpas. Nos processos seletivos, Giancarlos sempre avançava até as etapas finais — até ser superado por candidatos brancos “mais alinhados com o perfil da empresa”. E assim, repetidamente, o diploma de Oxford era ignorado. O talento era silenciado. A cor da pele, escancaradamente, era o fator determinante.
Como advogada indígena, ativista e militante da justiça, não posso fingir surpresa — mas me recuso a aceitar. A falsa inclusão que vemos nos discursos institucionais não passa de uma maquiagem malfeita sobre um sistema profundamente excludente. A sociedade brasileira gosta de dizer que é “plural”, “acolhedora” e “igualitária”. Mas quando indígenas e negros conseguem furar as barreiras da universidade e conquistar excelência acadêmica, o que encontram é um novo muro, ainda mais cruel: o mercado de trabalho, travestido de moderno, mas movido por preconceitos coloniais.
A presença de pessoas negras e indígenas em universidades de ponta deveria ser motivo de celebração e transformação estrutural. No entanto, o que se vê é um ciclo perverso: nos dizem para estudar, para nos qualificarmos, para “vencer na vida”. Mas quando vencemos, nos sabotam. A porta não se abre. E quando perguntamos por que, vem a resposta revestida de eufemismos: "não é bem o perfil", "faltou sinergia", "não encaixou na cultura da empresa". O nome disso é racismo estrutural.
A Constituição de 1988 pode garantir igualdade formal, mas Giancarlos, como tantos outros, prova diariamente que igualdade real ainda é um sonho distante. A cor da pele continua decidindo quem entra e quem fica de fora. E, muitas vezes, quem fica de fora é justamente quem mais lutou para chegar até ali.

É preciso ir além da hipocrisia. A inclusão verdadeira não acontece só porque negros e indígenas entraram nas universidades. Inclusão real é quando também ocupam cargos de liderança. É quando suas vozes são ouvidas, suas ideias respeitadas e seus corpos reconhecidos como dignos de pertencimento. Não queremos cotas simbólicas, nem palcos para mostrar diversidade em datas comemorativas. Queremos estruturas transformadas. Queremos justiça.
A história de Giancarlos é uma denúncia. É um grito contra a falsa narrativa de inclusão que tantas instituições insistem em vender. E é, também, um chamado à ação. O Brasil precisa de coragem para encarar suas contradições, desconstruir seus mitos de democracia racial e promover mudanças concretas.
Enquanto isso não acontece, a luta continua. Não apenas por Giancarlos, mas por todos os que vieram antes e pelos que ainda virão. Lutamos não por favores, mas por justiça. Não por palmas, mas por espaço. E por respeito.
Porque quando nem Oxford basta, está mais do que claro: o problema nunca foi o currículo. O problema sempre foi a cor a raça.

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