Joenia Wapichana e a Pergunta Que Não Cala: Quem Tem Medo de Nós?
- contatoinforevollu
- 25 de set.
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Por Inory Kanamari — Advogada indígena, com atuação em defesa dos direitos dos povos originários
Quem teme quando uma mulher indígena ousa existir em espaços que sempre foram negados a nós? Quem treme diante da firmeza de uma voz que não se curva, que insiste e que resiste? Essas perguntas ecoam em mim cada vez que penso em Joenia Wapichana, a primeira mulher indígena a se tornar advogada no Brasil e, hoje, presidenta da FUNAI.
Joenia não se declara indígena: ela é. E isso, por si só, incomoda. Sua vida, sua fala, sua postura são lembranças incansáveis de que ainda existimos, apesar de todos os esforços para nos apagar. Ela não apenas atravessou as portas de espaços brancos e elitistas: ela permaneceu neles, mesmo quando sua presença foi tratada como mera estatística de diversidade, um corpo para preencher tabela, não como sujeito pleno de decisão.
E permanecer, todos sabemos, é mais doloroso do que chegar.
Cresci acompanhando Joenia. Vi seu rosto firme na televisão, ouvi sua voz no rádio. Para mim, não era apenas uma liderança distante: era um farol no meio da escuridão. E ao contrário do velho conselho de que não devemos conhecer nossos ídolos, eu conheci Joenia. Ela foi tudo o que imaginei, verdadeira, forte, inspiradora.
Sou advogada indígena há quase dez anos. A cada embate no sistema de justiça, lembro dela e me pergunto: como suportou tanta exclusão, tanta hipocrisia, tanta violência simbólica contra sua simples presença? Eu mesma não sabia que seria tão árduo ser advogada indígena, ainda mais sendo mulher. Mas quando o cansaço ameaça me silenciar, lembro: Joenia é a prova de que resistir é possível.
Este artigo não é sobre mim. É sobre ela. Sobre a mulher que abriu caminhos para que tantas de nós acreditassem. Sobre aquela que mostrou que resistir não é escolha, mas necessidade. Joenia é referência não apenas para mim, mas para todos os parentes e parentas que carregam no sangue e no rosto o compromisso dos nossos ancestrais.
Sua trajetória, reconhecida dentro e fora do Brasil, revela uma verdade que muitos preferem negar: ocupar espaços de poder não é vaidade, é urgência. Chegar nunca foi fácil; permanecer é ainda mais violento. Persistir nesses ambientes exige coragem para enfrentar ataques covardes, dirigidos não apenas ao fato de ser mulher, mas, sobretudo, ao de ser indígena.
E ainda assim, desistir nunca foi opção. Não nos foi permitido abdicar da existência. Nossa luta sempre foi insistência, sobrevivência e dignidade.
Por isso, agradeço publicamente a Joenia Wapichana. Obrigada por nunca abrir mão de sua essência Wapichana. Obrigada por resistir em espaços hostis, por transformar a permanência em ato político e por lembrar a cada um de nós que existir já é lutar.
Joenia é inspiração. É insistência. É prova viva de que não desistiremos.
E a pergunta segue ecoando: quem tem medo de nós?

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