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O Peso da Herança: como os traços indígenas de Jaime Riveros tornaram-se barreiras na arte e no reconhecimento Profissional

Acervo Pessoal de Inory Kanamari: Fotos tiradas de Jaime na galería de Artes de Cusco-Peru
Acervo Pessoal de Inory Kanamari: Fotos tiradas de Jaime na galería de Artes de Cusco-Peru

 

A trajetória de Jaime Riveros, indígena do povo Vinchos-Angasmayo, não é apenas um relato de luta individual, mas um reflexo das imensas barreiras sociais que nós, povos originários, enfrentamos para sermos reconhecidos como sujeitos plenos em nossas capacidades e talentos. Nascido em Huamanga, Ayacucho, no Peru, Jaime cresceu imerso em uma realidade difícil: filho único de uma mãe que lutava para sobreviver, e privado da presença de um pai que desapareceu quando ele ainda era muito jovem. Foi criado pelos avós, Lorenzo Riveros Arango e Margarita Alarcón Najarro, figuras fundamentais em sua vida, mas que não puderam preencher as lacunas afetivas que a ausência paterna causou. Desde cedo, Jaime foi forjado em um contexto de resiliência e resistência, que seria a base para sua jornada.


Desde muito jovem, a arte foi o refúgio de Jaime. Através do desenho, ele encontrou uma forma de expressar sua dor, suas vivências e, principalmente, a sua história. Inspirado pelos tios, tecelões artesãos de Huamanga, Jaime soube que a arte seria o seu caminho. Aos 13 anos, a vida o levou para Lima, com sua mãe, em busca de novas oportunidades. Porém, a cidade grande, com sua promessa de inclusão, não ofereceu a ele o acolhimento que imaginava. Ao contrário, a cada passo, ele enfrentava a discriminação por ser indígena, com seus traços andinos evidentes. A sociedade, impregnada de racismo e preconceito, fez de Jaime um alvo constante de humilhações. A escola, que deveria ser um espaço de aprendizado e crescimento, tornou-se um campo de batalha, onde a dor do preconceito e da exclusão tornaram-se companheiras diárias.


Esse isolamento social impôs um preço alto para Jaime. Sem amigos, mergulhou profundamente na arte, que se tornou sua válvula de escape e, ao mesmo tempo, um grito silencioso de resistência. No entanto, a realidade do mundo artístico se mostrou ainda mais implacável. Para um indígena como ele, com a pele marcada pela herança ancestral, o caminho até o reconhecimento era repleto de portas fechadas. No mundo das galerias de arte, onde sobrenomes poderosos e conexões dominam, sua identidade indígena se tornou uma barreira, um peso insuportável. A luta de Jaime, como a de tantos outros indígenas, é contra um sistema que privilegia estereótipos e status, mais do que a genuína expressão artística.

Acervo Pessoal de Inory Kanamari: Fotos tiradas de Jaime na galería de Artes de Cusco-Peru
Acervo Pessoal de Inory Kanamari: Fotos tiradas de Jaime na galería de Artes de Cusco-Peru

Sua trajetória até o reconhecimento não foi fácil. Depois de abandonar a Escola de Artes Plásticas em Lima devido a problemas de saúde, Jaime encontrou na academia particular de artes Carlos Baca Flor uma nova oportunidade para reerguer-se e seguir seu caminho. Ali, ele passou a desenvolver um estilo realista clássico, mas o preconceito, ainda que velado, continuava a se fazer presente. A visibilidade artística, que muitos consideram um mérito garantido por talento, para Jaime se tornou uma luta constante. Ele precisou de um amigo para ajudá-lo, pois as portas das exposições e galerias, infelizmente, não se abriam apenas por seu talento. Sua arte, por mais incrível que fosse, não era suficiente para transpor o peso da sua identidade indígena.


Foi em Cusco, distante dos preconceitos da capital, que Jaime teve sua chance. Em um ambiente mais acolhedor, ele teve sua primeira exposição, finalmente sendo julgado pelo valor de sua obra e não pelos estereótipos que carregava. Expor no Ministério da Cultura de Cusco e no Museu Histórico Regional Casa del Inca Garcilaso foi um marco em sua carreira e uma prova de que sua arte, mais do que os estigmas que carregava, merecia ser reconhecida.

Mas o reconhecimento de Jaime vai além de seu sucesso pessoal. Ele é um reflexo das lutas diárias de milhares de indígenas em todo o mundo, que enfrentam obstáculos imensuráveis para ver seu valor reconhecido. Seus retratos de povos andinos não são apenas uma celebração de sua cultura, mas uma forma de afirmar a dignidade de um povo constantemente marginalizado e invisibilizado. Jaime, por meio de sua arte, questiona um sistema que tenta apagar sua identidade e a de seu povo, trazendo à tona as histórias e sentimentos de uma cultura que, embora esteja no coração do continente, é constantemente empurrada para as margens.


A história de Jaime Riveros não é única. Ela reflete a luta constante dos indígenas por reconhecimento, respeito e igualdade. Ser indígena e carregar os traços de nossos ancestrais é visto, muitas vezes, como um fardo em uma sociedade que insiste em nos definir a partir de estereótipos e preconceitos. A arte de Jaime, mais do que uma expressão de sua identidade, é um ato de resistência contra as forças que tentam invisibilizar nosso povo. Ele é a prova de que, mesmo diante de um sistema que insiste em nos marginalizar, a arte pode ser uma poderosa ferramenta de resistência e afirmação de nossa existência.


A história de Jaime é um grito silencioso de superação e resistência. Seu caminho é um reflexo das lutas diárias de milhões de indígenas que, ao longo dos séculos, enfrentaram e ainda enfrentam discriminação e exclusão. Jaime não se deixou abater. Ele transformou cada insulto em combustível para sua arte, que não só expressa sua dor, mas também reivindica sua cultura, sua história e a dignidade de seu povo. Sua trajetória desafia os estereótipos que tentam nos definir e ilumina a luta mais ampla dos povos originários por um lugar de destaque, onde possamos ser vistos, ouvidos e respeitados.

Jaime Riveros é um símbolo de perseverança e resistência. Sua luta é a nossa luta, a luta de todos os povos originários que, ao carregar o peso da nossa herança ancestral, ainda enfrentam um sistema que se recusa a reconhecer nossa verdadeira humanidade e valor. Seu sucesso, embora merecido, é apenas uma pequena janela para o que muitos de nós ainda precisamos conquistar: ser reconhecidos não pela nossa aparência ou sobrenome, mas pelo talento, pela capacidade e pela contribuição inestimável que trazemos para o mundo. A jornada de Jaime é uma inspiração, mas também um lembrete de que a luta por igualdade e reconhecimento ainda está longe de ser vencida.


VOZES INDÍGENAS (CLIQUE NO LINK)


*Inory Kanamari - Primeira advogada indígena do povo kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, Vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024, atuou como Consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. Articulista da Revista Cenarium, ativista, poetisa, membra na ALCAMA (Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia). Escreve como colaboradora toda terça-feira e aos sábados para o Portal Info.Revolução.
*Inory Kanamari - Primeira advogada indígena do povo kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, Vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024, atuou como Consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. Articulista da Revista Cenarium, ativista, poetisa, membra na ALCAMA (Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia). Escreve como colaboradora toda terça-feira e aos sábados para o Portal Info.Revolução.

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